Era uma vez um pequeno estudante chamado Lulu. Os seus pais trabalhavam arduamente para alimentar a família e pagar a dívida do seu pequeno e modesto apartamento. O pai não tinha educação formal e trabalhava até à exaustão na fábrica. A mãe tinha conseguido arranjar um emprego administrativo a tempo parcial, mal pago. No resto do tempo, fazia as tarefas domésticas.
O Lulu não era muito bom na escola, mas esforçava-se todas as noites. É preciso dizer que os pais não lhe davam muita escolha, como se quisessem que ele não vivesse a mesma vida que eles. Tinha vários amigos com quem gostaria de passar mais tempo. Mas os trabalhos de casa e as aulas ocupavam muito do seu tempo. Demasiado tempo.
Assim, uma noite, enquanto decorava "A Lebre e a Tartaruga" no seu quarto, teve uma revelação. Posso não ser muito talentoso, pensou ele, mas se for como a tartaruga, posso chegar primeiro à meta. Mas Lulu não queria ser o primeiro da turma, porque não gostava da escola. Ele tinha outros planos em mente.
A partir de então, todas as noites dedica dez minutos do seu tempo de estudo a instruir-se. Lia sobre outros assuntos, como desporto, actualidades, política, saúde, cultura, os diferentes países do mundo, economia e finanças. Lenta mas seguramente, estava a construir uma espécie de biblioteca interior, um refúgio onde mais ninguém podia entrar.
Graças a este mundo próprio, pôde criar viagens virtuais a outros continentes, mundos imaginários e até a outras épocas. Quanto mais aprendia, mais era capaz de sonhar e de relativizar as preocupações escolares. Ao mesmo tempo, estava a tornar-se muito bom em certas disciplinas, incluindo a escola, mesmo que esse não fosse o seu objetivo principal.
Em breve, os dez minutos por dia já não eram suficientes. Lulu aumentou para quinze minutos, depois para vinte... Passava cada vez mais tempo a ler sobre vários assuntos diferentes e cada vez menos tempo a fazer os trabalhos de casa. Tinha muito más notas em algumas disciplinas, mas compensava-as facilmente noutras. Os seus pais oscilavam constantemente entre a repreensão e a felicitação. No final, estavam orgulhosos do seu pequeno Lulu, porque às vezes ele parecia um génio.
Lulu terminou os seus estudos sem grandes problemas. Estava longe de ser o melhor da turma, mas destacava-se em certas áreas. Passou alguns anos na universidade, de que gostou imenso. O mundo académico foi um trampolim para o mundo imaginário de Lulu, graças não só aos conhecimentos que lhe eram transmitidos, mas sobretudo à enorme independência de que podia usufruir.
E depois chegou o grande dia em que a Lulu entrou no mundo do trabalho. No início, era um novo parque de diversões, com muito para aprender e novas pessoas para conhecer. Mas depressa se apercebeu que só estava a utilizar uma pequena parte dos seus vastos conhecimentos. Não só começava a aborrecer-se, como, sobretudo, sentia que o seu conhecimento e a sua energia lhe estavam a ser roubados pelo patrão. Enquanto até agora tinha estudado para manter o seu mundo virtual, aqui as suas capacidades estavam a ser utilizadas para manter o universo de outra pessoa. Lulu já não estava contente.
Assim, tal como tinha feito vinte anos antes, começou a estudar durante dez minutos todas as noites. Pouco a pouco, alguns conhecimentos esquecidos ressurgiram do passado, nomeadamente a economia e as finanças. Apesar de não ter feito disso uma profissão, Lulu sempre tinha considerado estes domínios com um certo interesse, sem saber bem porquê. Assim, os dez minutos por noite passaram a quinze, depois a vinte... Quanto mais lia, mais aborrecido parecia o seu trabalho.
Começou a poupar, depois a investir. No início não era muito, apenas algumas centenas de francos. Mas Lulu lembrava-se sempre da fábula de La Fontaine. O seu capital começa a crescer, lenta mas seguramente. Quando estava na escola, quanto mais aprendia por si próprio, menos trabalhava nos seus trabalhos de casa. Agora que estava a trabalhar, quanto mais rico se tornava, menos tempo trabalhava. A sua taxa de atividade estava a diminuir como uma pedra. Os colegas que o rodeavam começaram a interrogar-se.
Aos 50 anos, Lulu anunciou a toda a gente que se ia reformar. As pessoas olhavam para ele com um misto de descrença, troça e desânimo. Passei a minha vida a estudar e a trabalhar para os outros", disse ele, "agora vou dedicar o resto da minha vida a dedicar tempo a mim próprio e aos meus entes queridos". Por detrás dos sorrisos, nas suas costas, todos diziam que ele tinha enlouquecido.
Mas os seus pais tinham razão, o bom rapazinho da escola era de facto um génio. Ele tinha acabado de cruzar a linha de chegada em primeiro lugar.
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Bela fábula, a maior parte da qual, conhecendo-o, podemos imaginar que é autobiográfica 🙂
Agora que sou pai, e à luz das minhas próprias experiências, as questões que me coloco são as seguintes: Como é que podemos transmitir estes conhecimentos aos nossos filhos? Devemos falar-lhes do nosso passado e das nossas convicções? Ou será melhor deixá-los fazer as suas próprias experiências?
Já me senti muitas vezes tentada a dizer-lhes o que realmente penso do mundo profissional, das horas extra que me roubam o tempo com eles, das noites sem dormir obcecada com projectos ou histórias com colegas tóxicos. Dizer-lhes para começarem a pôr dinheiro de lado desde cedo e a investi-lo para poderem sair deste mundo louco antes de serem cozinhados como bifes.
Por outro lado, digo a mim próprio que todas estas considerações são minhas, que reflectem apenas as minhas experiências e não são a verdade absoluta. Talvez consigam florescer neste mundo profissional, onde eu não o consegui fazer?
Se for demasiado honesta, tenho medo de os desmotivar e de os tornar pessoas desiludidas antes do tempo. Não têm o direito de ser crianças como toda a gente, despreocupadas e cheias de esperança, "bons alunos" como toda a gente?
Como é que decidiu discutir estas questões com os seus filhos? Eles conhecem a sua abordagem, as suas convicções e os seus planos para a independência financeira?
Podem imaginar que, no meu caso, vão acabar por ficar curiosos sobre o que faço atrás do meu computador, com este blogue. Não lhes vou esconder isso quando chegar a altura. Para já, contento-me em explicar o lado técnico da abordagem e não o aspeto filosófico. Basicamente, isto significa porque é que é importante pôr sempre um pouco de lado quando recebem dinheiro. Podem dar a si próprios uma pequena prenda agora, mas peço-lhes que poupem para uma prenda maior mais tarde. Eles percebem muito bem porque é que vale a pena. Também os deixo livres para fazerem as actividades de que gostam (como o desporto, por exemplo), e não o que eu gostaria que fizessem. Tal como os deixo livres para escolherem os estudos e a profissão de que gostam. Eu não tinha essas opções quando era mais novo, por isso não é surpreendente que não goste do meu trabalho agora. Digo a mim próprio que, se eles tiverem essas liberdades, é mais provável que sejam felizes no trabalho e, por isso, a independência financeira pode não ser necessária para eles. Ou, se for, pode ser em menor grau.
Atualmente, a partir das 8 horas da manhã, a rádio RTS La Première apresenta uma série de programas dedicados ao trabalho sob vários ângulos; pode ouvi-los em podcast.
Ouvi uma parte de um programa sobre o movimento "frugalista" na Alemanha. Os frugalistas têm uma abordagem semelhante, mas mais extrema do que a abordada em "dividendes.ch", na medida em que se contentam em viver de forma muito modesta, tanto na fase de poupança, como na fase de investimento e na fase de independência financeira (foi apresentado o caso de um berlinense "reformado" aos 49 anos, com um orçamento de 2.000 euros por mês, o que, segundo ele, lhe permitia viver correta mas modestamente nesta cidade, sem luxos e controlando cuidadosamente as suas despesas).
De um modo geral, parece que a relação das pessoas com o trabalho está a sofrer uma mudança relativamente profunda e que muitas aspiram a romper com o sistema tradicional.
Pergunta: se todos tivessem como objetivo a independência financeira através da economia e do investimento, o sistema manter-se-ia?
O frugalismo não é nada de novo, já falei sobre isso aqui:
https://www.dividendes.ch/2012/12/tout-ce-quil-faut-savoir-pour-devenir-un-rentier-precoce/
Deveria ler o livro de Jacob Lund Fisker, que é um extremista neste domínio 😉
Não, o sistema não se aguentaria porque se baseia na produção e no consumo. Sem trabalhadores não haveria produção e sem clientes não haveria consumo.
No entanto, estamos muito longe do dia em que toda a gente estará fora da Corrida dos Ratos. Neste planeta, nós, frugalistas e aspirantes à independência financeira, representamos apenas uma pequena margem da sociedade.
E não esqueçamos que há muitas pessoas que gostam de consumir e até de trabalhar. Sim, elas gostam.
A independência financeira não é para toda a gente. É necessário um certo tipo de personalidade para a acompanhar, como INTJ, INTP ou INFJ. Estes perfis representam apenas uma pequena percentagem da sociedade. E destes, apenas uma minoria se deixa tentar pela reforma antecipada, considerando os outros, muitas vezes, que não têm o desejo, nem os meios, nem as competências para o fazer (erradamente, devo acrescentar).
Por isso, não se preocupem, ainda temos dias fantásticos pela frente!